Impressões estudantis de uma igreja barroca

Logo na entrada, a clara e imposta percepção do mundo barroco jogado na nossa cara. A faixada, excessivamente adornada por curvas francesas. Uma apelação.

Seria isso uma apelação? O barroco, segundo constam meus estudos literários, surgiu em uma época que a igreja católica perdia muitos fiéis para o protestantismo. Seria, então, uma tentativa desesperada de reconquista? Talvez suborno?

O calor dos trópicos não perdoa a ninguém, nem mesmo ao mais fiel dos fiéis. Dentro da santa nave o calor é infernal. Como providência divina, o tempo se fecha, abrandando essa sensação, que iria contra os princípios do próprio barroco, o de tirar as pessoas do “inferno” (a palavra proibida mais uma vez) das ruas quentes para o conforto da casa de Deus.

Outra coisa que merece nota é o eficiente bloqueio sonoro que os arquitetos do século XVIII conseguiram naquelas paredes. O silêncio ali dentro só era quebrado por um zunido proveniente, provavelmente, (isso foi de propósito), de algum ar condicionado de alguma sala fechada da administração paroquial, além das dependências que um simples critão poderia ir. Como naquela época (1770) ainda não havia tal tecnologia, o silêncio só deveria ser quebrado pelos cânticos dos clérigos.

Luz é outro ponto importante. Por mais claro que esteja o dia, a igreja permanece na penumbra. A pouca luz que entra pelas pequenas e estreitas janelas do alto da cúpula é direcionada ao altar. A luz divina mostrando todo o seu esplendor ao povo.

Estava eu de pé, recostado na entrada da igreja, quando uma moradora de rua me aborda, perguntando-me se poderia usar o banheiro. Respondo-lhe, sinceramente, que não sei. Nunca havia parado para pensar se havia banheiros dentro de igrejas. Ao meu ver, aquele era um lugar sagrado, um templo onde as pessoas iam para rezar, para meditar. Buscar respostas, pedir ajuda. Como vi há pouco um senhor que entrou, ajoelhou-se perante Jesus morto aos braços da virgem Maria por alguns minutos, fez o sinal da cruz e saiu. Mas aquela moradora de rua que me abordara (que mais tarde vim saber se chamar Gisleide) talvez pensasse diferente. Talvez, para ela, meditar não tenha a menor importância. Talvez, para ela, a igreja seja apenas um local onde ela ganha seu pão pela manhã e onde ela possa usar o banheiro. Talvez, para ela, Deus não exista. Ou talvez ela tenha esquecido Dele. Ou Ele dela. Parece mais provável.

Entrando em uma igreja barroca do século XVIII, nos perguntamos. No meio de tanta opulência, tantas riquezas, como a Capela Dourada, logo ao lado, realmente haveria espaço ali para o povo? Não no sentido de entrar na igreja, pois “todos” (diga-se por todos, naquela época, os brancos que tivessem algum status social) podiam assistir à santa missa. Mas no sentido mais divino do cristianismo: “Todos são iguais perante Deus”. E que igualdade é essa?

A pergunta desapareceu no ar, sumindo, subindo e fugindo pelas estreitas janelinhas da cúpula. Tomara que algum anjo a ache pelo caminho.

Ensaio feito para a cadeira de Antropologia, na época da faculdade. Achei no meu caderninho de anotações.

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